11 agosto 2009

Cheiro do Ralo - 1ª Parte

Ontem, resolvi observar as pessoas sentadas nos bares. Sai de casa excessivamente curioso, um tanto ressentido, alguns diriam, desocupado, outros afirmariam. Entretanto, motivou-me uma teoria: o cheiro que as pessoas exalam. Não confundam a ideia com um mero perfume comprado em free-shop, ou aqueles vagabundos que à preço de banana arranjamos vários na Uruguaiana. Refiro-me àquilo que nasce das palavras, um cheiro de restos de lixo, vagando entre o imoral e o casto, passando pelo sagrado e tocando o profano. Encurtando o caminho: chorume.

Ainda não sabia onde, mas sabia o que queria. Sem carro, fui de táxi. Pedi ao motorista que me indicasse um restaurante ou bar ou qualquer lugar onde pudesse me sentar, comer decentemente e beber uma cerveja gelada. Como resposta, um sorriso, porque minha escolha era absolutamente vaga, poderíamos parar de Duque de Caxias ao Leblon. Pois bem: disse que gostaria era de ouvir as pessoas, esconder-me nas páginas de um livro para livremente recolher suas máscaras. Outra resposta sorridente: o senhor tem problemas?

Depois desta resposta, fiquei extremamente irritado e logo pedi para levar-me ao Lamas. Não sei se ele percebeu, mas retirei meu livrinho da mala e comecei a ler. Duvido que tenha pensado na possibilidade de eu tentar minha estratégia com ele, afinal de contas, estávamos a sós no carro.

Reconheço que aos olhos do leitor minha atitude se aproxima da vida dos solitários, que andam pelas ruas, lembrando dos amores passados, das escolhas sem sucesso e, sobretudo, das atitudes que poderiam, mas não foram. Se é um engano, não cabe a mim dizer, mas digo assim mesmo: o que não é um engano para a vida do chorume?

Estive a ponto de abandonar o carro sem pagar pela corrida, mas, por um instante, um sopro de moralidade e sanidade mudou o rumo do vento que me lançava, quase à força, a entrar no bar e a ignorar que o táxi era minha responsabilidade. Quinze reais e vinte centavos, disse o motorista. Dei-lhe quinze, e virei as costas.

Senti certo remorso, mas o que é o remorso senão a prática de uma atitude social e solidária? Paguei com a mesma moeda: como não recebera, não tinha o que trocar. Atitude meramente vingativa ou seria própria?

À porta principal, Doutor Carlos me trouxera aquele largo e farto sorriso que falta, e muito, aos garçons de hoje. Você vai dizer que há exploração, por isso a atividade deles se torna mecânica e distanciada. Leu algo contrário? Se leu, creio que o sol aqueceu demais sua eloqüência ou que a bebida pode ter prejudicado o seu juízo. Beber e estar ao sol deveriam ser dois momentos complementares e produtivos.

Sentei-me em um canto, mas de onde poderia ouvir a conversa de boa parte do restaurante. As paredes espelhadas me provocavam certo acanhamento, pois me obrigava a olhar as pessoas pelas infinitas possibilidades visuais que o ambiente proporcionava. Os olhos dos outros sempre produziam temor aos meus, como se o meu segredo fosse descoberto e pudesse ser considerado solidão. Medo de ver nos olhos alheios a solidão que pode estar escondida dentro de mim, assim como em qualquer ser humano.

Uma caneca de cerveja e uns bolinhos de bacalhau: pedidos de sempre e uma companhia que sempre ajudou a tornar minha tarefa imperceptível. Pedi meus camaradas de introspecção, e, como não acontecia, comecei realmente a ler. Lia e fazia anotações, até perceber um assunto interessante à minha esquerda, onde conversavam dois amigos.

Para não saber a idade e por isso pressupor idéias, princípios e preferências, enterrava os olhos nas linhas do capítulo, mas sem prosseguir a leitura, era puro teatro. Não via linhas, via uma macha acinzentada que me relacionava ao significado das palavras ao redor. Eis o diálogo:

- Foi à praia ontem?
- Acabei indo, tinha terminado de organizar uns papéis do trabalho lá em casa. Mas acabou ventando demais, uma horinha só de praia.
- Encontrou alguém conhecido?
- Aham! Lembra daquelas duas que conhecemos na viagem pra Saquarema? Dois meses já, né?
- Isso tudo? Até que foram duas boas companhias. Nem esperávamos, e elas sentaram na nossa mesa, caras de pau completamente. Assim é melhor, facilita o nosso trabalho e o delas. Mas, e elas?
- Continuam bonitinhas.
- Não foi isso que eu perguntei...
- Porra, então pergunta direito!
- Marcou alguma coisa?
- Claro, tá achando o quê?
- E qual vai ser?
- Amanhã, dez horas na casa da loirinha.
- Na casa dela? Mas as duas não moravam em Saquarema?
- Acho que a loirinha se mudou... Que diferença faz, a gente vai economizar até no dinheiro do motel. Ela disse que até a bebida e os petiscos ia comprar.
- Assim parece até piada. Quem vai?
- Só nós quatro: eu, você, a loirinha e a outra que você pegou.
- Não tinha uma amiga melhorzinha não?
- Sexo, bebida e comida de graça e você ainda quer escolher? Parece que a sua começou a malhar... Aquela barriga dela deu uma diminuída.
- Menos pior.
Vocês vão pedir uma palavra minha. Preciso dizer alguma coisa? Sem preguiça, por favor. Ainda continuarei o diálogo e as minhas considerações já serão ditas.

2 comentários:

Camilla Barros disse...

Não!!! Cadê?! Estava tão entretida!

Unknown disse...

"A pior solidão que existe é darmo-nos conta de que as pessoas são idiotas."
Gonzalo Torrente Ballester
Cadê a 2ª parte?