28 dezembro 2006

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Existem amores impossíveis
Outros possíveis
Uns te tragam, e nunca mais nos libertamos
Alguns te trazem a paz
E o inferno é a paz dos loucos
Por isso escrever é conviver com um tanto de loucura
No inferno
E no amor constante.

O que escrevo pode não ser minha experiência
O que escrevo pode ser uma mera ilusão de mim mesmo
Através dos outros.

Os amores são muitos
nos vencem e crescem asas
mas podem aportar e deixar a vida errante
Entretanto quem vive como um peregrino sou eu
por isso me perco nos amores das passagens
porque a vida é uma constante navegação pelos corpos alheios.

Nos olhos dos homens existe uma lágrima que nunca seca, por isso precisa da prosa para escorrer, não para ser extinta. Abslutamete uma flor que tem a essência feminina não pode arrancar sua própria raiz, em suicídio. Entretanto, a natureza assistiu espantada ao espetáculo de uma margarida que deixou a raiz escapar de si, e matar-se melancolicamente. Nunca ouvi tantos lamentos, chorei em comunhão, fui solidário a dor que me atingiu por inteiro. Essas lágrimas nunca serão expurgadas, nunca, porque a raiz das palavras enterrou a margarida, fez dela uma lembrança inoportuna, porém interessante.

Por que título?

Não tem música
Sou cheiro
Quero carne
E fujo
De longe
Meu corpo quer pesadelos
E mais longe eu tento ficar
Para não lembrar
Sem rima, sem eco, sem voz
Servo do murro que me espanca
Olhos marejados
Sem sentido é um vazio
Que faz do espaço sem espaço
Um alívio

Um choro constante
Seja no sono
No samba
Ou nelas
O muleque está por perto
Chora mas espera
Percebe o tenso vagar de homem
Metáforas de merda
Sorrisos de um fedor horrendo

Se a poesia fosse um lamento
Escrever seria uma dor tremenda
Um uivo de raiva
Desperta a existência dos ordinários
Por isso mato a mim mesmo
Com palavras que me condenam ao ridículo

(Gosto desta morte
quero a paz)

26 dezembro 2006

Você finge que me ama, mas eu te amo sim.

Os amores são inevitáveis
Palavras odiosas não
Assim amo aqueles que me amam
Porque o amor que fingia amar a mim
De máscara travestiu-se
Para destilar a dor de si
Na minha pobre cama
Aos sussurros longínquos
Que perspassaram ouvidos afetuosos
Até entristecerem a mim
Deste tipo de amores
Eu quero o inferno.

24 dezembro 2006

Terei que me casar nove vezes.

Sem graça

Dia 23 de dezembro de 2006. Chuva, pastéis e grandes amigos. Confraternizaçao, presentes e sorrisos. Uma faca me rompe a coluna, com as mãos ela é totalmente retirada, como parte de minha sensibilidade, a alma que é arrancada pela pele. Uma dor muito mais do que física, uma morte causada por minhas próprias escolhas. Eu, morto, melancólico, sem adjetivos mais para continuar...
Me refiz, e foi breve, porque palavras são apenas símbolos que podemos esquecer ou apenas deixar que nos destruam. E para me destruir seria preciso uma força divina, não um discurso deformado por uma mentalidade que sequer conhece seus próprios princípios, desliza entre diamantes e devassidão como se assim pudesse ganhar alteridade. Choro por dentro, não escorre uma lágrima aparente porque o diabo amassa o pão, mas cabe a mim comê-lo ou não.

13 dezembro 2006

O fim dos nomes e as iniciais do perfume

A flor que se escondia no asfalto rompeu o silencio armada por suas pétalas que destilam um perfume inesquecível. As manhãs nascem cantando seu cheiro, que invade o dia, comove a noite e enlouquece a madrugada.

Vinícius cantaria para Maria. Mas ainda falta algo que precisa revelar-se. Está no perfume, poucos percebem, quase ninguém é sensível para tanto.

Seria o Mar uma Artimanha do Riso Inexplicável Ante o Hoje que precisa no fim ser exagerado, como um grito de libertaçao? Lembre-se: o princípio das palavras não segue seu perfume, há em nós um dilema: a paciência porque tudo está no fim, a definição do cheiro, do corpo e do desejo.

02 dezembro 2006

Considerações de Walter Benjamin sobre a Moda

“Aqui a moda inaugurou o entreposto dialético entre a mulher e a mercadoria – entre o desejo e o cadáver. Seu espigado e atrevido caixeiro, a morte , mede o século em braças e, por economia, ele mesmo faz o papel de manequim e gerencia pessoalemente a liquidação que, em francês, se chama révolution. Pois a moda nunca foi outra coisa senão a paródia do cadáver colorido, provocação da morte pela mulher, amargo diálogo sussurrado com a putrefação entre as gargalhadas estridentes e falsas. Isso é moda. Por isso ela muda tão rapidamente; faz cócegas na morte e já é outra, uma nova, quando a morte a procura com os olhos para bater nela. Durante um século, a moda nada ficou devendo à morte. Agora, finalmente ela está prestes a abandonar a arena. A morte, porém, doa armadura das prostitutas como troféu à margem de um novo Letes que rola pelas passagens como um rio de asfalto.”

De finha

O pequeno foi morto
Roubaram a dentadura do pai
Vendaram-na pelos olhos do filho
Só há sangue no rio
Bebês
Todos corpos levados pelo tempo vermelho
Pregos em tocos, enterrados nas costas
Água de sangue, gente de corpo
Vendidos na feira
Como farinha, mandioca e feijão

Abre-se o corredor: ai vêm os deuses

A criança sofre morte sem saber
Queria brincar mas foi adoradora de desejos
Beberam do vinho
Embriaguez, sorrisos

Da gargalhada: morte.

Mais um dia – como o dia.
Não houve causo a se contar.
Somente o mito escondido
pelos olhos de todos
que não querem além de seus cílios
e unhas postiços.

(Assim tomo palavra – breve como o tempo)

Saio do poema que é prosa muito acima de qualquer poesia, para ter com vocês uma conversação. Deixo pedras em seus calos, não quero que andem sem a desagradável sensação da dor, constante, latente. Não sei porque tento acusá-los, cruxificá-los em nome de minha própria sociopatia. Se não posso conviver harmoniosamente com os outros, trato de destrui-los, um a um: passado de meretrizes, vida de cafajestes, um prostíbulo que toma a feição de lar burguês, bucolismo do campo afeito à devassidão dos corpos, encontros e desencontros propositais, dos quais as feridas são cultivadas como cães estimados. Se sou mal como Hitler e cruel como César, desejo a todos apenas a poesia, mas que seja doída, que na desgraça voltem ao texto. Não, isto não é uma tragédia edipiana, pelo amor de Deus, estamos no século XXI (e não me venham com conversa de complexos).

A poesia quer tornar
mas a prosa é antiética:
Encanta os homens pelo texto sensacional, de encontros e amores ordinários e fins fabulares. Sente-se um alívio pós-prosa, um fulgor de vida que só se extingue na manhã seguinte com mais um dose de prosa. Psicanalistas, psiquiatras e todos os especialistas no comportamento e travessuras humanas deveriam reconstruir as bases de suas teorias: bastam doses homeopáticas de uma prosa amena, cool (como diriam os jazzistas americanos para o jazz técnico e compassado) e leve (sem poesia, é claro), para reeguer os leitores (pacientes) de seus leitos todas as manhãs. O fim do marasmo, cotidiano agora debulhado em sorrisos e fins emocionantes, tal qual o que lêem. Ela preenche até o vazio religioso. Pronto: a bíblia do homem será a prosa, mas baseada nos confins da Sibéria.


Do eterno mau-olhado
Segue a prosa sem canto
Clamar o espanto
Merece prisão
Se todos fingem que sentem
E outros fingem que crêem
Matemo-nos a todos.

Esta poesia não faz sentido
como nenhuma outra:
tenho nas mãos uma calcinha
(minha cunhada)
nos armários e no corpo, ávidas e enlouquecidas

(Nelson Rodrigues e Rubem Foseca: dois iniciantes para mim)

São mulheres de amigos, de parentes, ou do meu pai
não faço poesia, só sexo.
Coleciono calcinhas, mas só de mulheres de gente que amo.

Se vir aliança, melhor!

A poesia não começou: ela é isso. Não há melodia nem canto, é só carne e suor. Todos se tornam gente com calo nos pés, mas não sentem dor porque a dor vira anestésico. Se não sentem, não há culpa, piedade, remorso ou limite: o corpo dormente se sente ivulnerável, aquilo que cada um mastiga é o desejo de ser, é o futuro. Mastigar, mastigar e engolir, esta é a prosa-poética do nosso tempo.