08 novembro 2011

A beira

Você morreu, e meus olhos foram levados pelos seus que se iam em um desespero sinistramente calado, angustiado porque sabia que aquilo enfim era o fim e nunca mais estaríamos, nem muito menos seríamos o que criamos pelo tempo e pelo afeto. Senti em você a presença da inexistência como se não ser fosse possível mesmo estando e sendo. Sentir o bafo aterrador do ato de morrer parece o início do não viver. Começamos a morrer quando os fragmentos de nossa essência se apagam no fim do dia com a inexistência gradativa daqueles que nos fazem humanos. Nascemos, pois, à beira de não ser.

Teatro de Si

Dois telefones nas mãos: celular e fixo. Um dia, dois, três... quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez dias... duas semanas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze... meses...

Agora, o mesmo número enxerga tudo que quer esconder. Os aparelhos sorriem, irônicos, porque sabem. Cada tecla ganha uma aparência de espera, como os passos de uma longa caminhada entre o nunca e o nada. Gira, se contorce, cambalhotas, movimentos, anseios, pernas longas para os menores espaços; quer. Quero. Onde está? Com? Por quê? Como se move? Sua pele ainda? Seus cabelos vão?

Quer, mas... Quer... porém... Quer...

Encontra parte de si no visor, entre as teclas, escondido, pequeno, calado, afastado de tudo, naquele espelho retrovisor. Quem é o indivíduo senão aquele fragmento que se perde no passado mas que a todo tempo se revisa e se refaz no presente? Quem é você que foi e nem o café tomou antes que esfriasse? Quem é você que arriscou e sumiu? Quem é você que deixou o pão francês com a faca untada de manteiga sem uma mordida? Quem é você que abraçou o pequeno cachorro, encharcou seu pelo de cheiro e nunca mais? Quem é você que esqueceu o anel de família no criado mudo propositalmente? Quem é você que não quer? Quem é você que abandonou aquela calcinha preta - pequena - "escondida" no carro? Quem é você que guardou o pijama entre minhas camisas casualmente? Quem é você?

Estar entre o espaço virtual e a lembrança parece uma sinfonia que aguarda sem tempo a chegada de seu maestro desaparecido no céu que deságua no mar de desilusão. Discar, digitar, teclar; verbos sinônimos de um eu que não se permite ser em nome da razão. Vozes; vozes; vozes; vozes; vozes; vozes; suas próprias palavras percorrem dentro de si uma trilha sonora de espaços de sombra, que, iluminados vez por outra, articulam senilidade e afeto, quereres e maldizeres, afazeres e desprazeres.

Sua confusa fusão entrelaça linhas telefônicas nos seus poemas que ainda serão escritos. Sua confusa fusão entrelaça aquilo que foi com o que poderia, caso deixasse a vontade fazer-se realidade. Sua confusa fusão entrelaça a si mesmo em uma mentira escancarada que se quer verdade, mas que ainda permanece diante do oposto, para fingir como atores que atuam em papéis de si mesmos. Hoje representa a si mesmo no palco de sua própria vida.