20 junho 2010

Cerveja

(Não é um incentivo ao alcoolismo)

Enquanto está estranho
Difícil de saber as razões
Quando se pensa muito
E poucas são as opções
Enquanto não se reconhecem os sons
Os rostos
As falas
As roupas
Os lugares
As pessoas
Quando está um frio quente
E o suor vira produto do inconsciente

Um copo cheio
Quase transbordando
Muito gelado
No centro da mesa
Basta olhar pra ele
A boca saliva
Os olhos vêm brilhando
Deixa-se de pensar
De estranhar
E suar sem sentido

O gole
E o corpo responde em doses de afastamento
Tudo ao redor ganha ares de indiferença
Tanto que o copo e ele vivem entre si
Como uma criança que aprende a boiar no mar
Em dia de calmaria.

17 junho 2010

Um fonema

De quem são os poemas?
Rio de janeiro.
O rio está sempre em janeiro
Inclusive em janeiro é o seu dia.
Risos e mais risos
Rios e mais rios
Um fonema rascante
rigoroso
retumbante.
Será sempre o som
dos sambas poéticos.
Rio.
Rio.
Rio.
R.

09 junho 2010

Um samba e uma saudade

Sai
pra beber
umas cervejas.

Você chegou
e sentou na mesa
ao lado.

Eu cheguei
você veio
Eu cheguei
você veio.

Estávamos na Lapa.
Cerveja de garrafa.
Suor. Calor.
Mesas pequenas.
Calabresa.
Batatas fritas.
Salaminho.
Feijãozinho.
Pessoas,
enfim...

Você veio
pediu licensa
e me acompanhou

Depois de um tempo
Falou:

- que saudade!
(você fez falta!)

"Quem não gosta do samba
Bom sujeito não é
É ruim da cabeça
ou doente do pé"

Você cantou a noite toda.

Uma relação promíscua (porém, feliz).

Entrei
abracei a menina
e trouxe ela pra casa.

Não precisei conversar
Nada de jantar
Sem carinho
Nada de flores
Sem expectativas
Nada de conquista
Sem paixão
Nada de dores
Sem dissabores
Nada de mentiras
Nada de mentiras
Sem cinismo
Sem cinismo

Resolvemos namorar
e foi sexo
sexto, simplesmente.

Nossa linguagem
perfeita
era o corpo
Vivemos em paz
por anos
nem eu
nem ela
vestíamos personagens
Ela nunca quis ser
além de si
e mentir com a pele.

A prostituta foi honesta
nunca fingiu ser
(A prostituta).

O espaço que se ocupa

Enquanto você me deixava
outra se aproximava
discreta,
sem alarde,
humilde
e despretensiosa.

Veio de calça jeans
blusinha branca
havaianas
andando
e sorrindo.

Tinha convicção
Sabia o que era
e tinha certeza
do seu espaço:
nunca temeu viver.

Seu nome:
simplicidade.

Um murro, um pontapé, um discurso

Cazuza deveria estar entre as pessoas
um pouco de provocação
o espinho da inquietude
a vontade de vida
o desejo de experimentar
a abertura plena para o novo
o desmascaramento da hipocrisia
desregrado
porra-louca
anti-burguês
fragmentado
inconsequente
desgovernado
descentralizado
inconstante
como ele diria:
exagerado

Ele gera medo
nos castelos de cristal
supostamente indestrutível
mas visivelmente frágeis e ocos
prontos a implosão

Ele gera pavor
pela destruição da previsível
rotina
nos castelos
da monotonia da acomodação
suspira pelo concreto
e anseia pela máquina.

Um corpo de linhas tênues

Na poesia me disfarso
para me ver invisível

quero estar nas entrelinhas
de metáforas me componho

Quero ser o prazer
sem o toque

Quero ser formas
em cada leitor

Sou uma prostituta
que não faz sexo
nem mostra o corpo
não toca
não dança
mas incita a desrazão
no prazer incorpóreo
da linguagem poética:
a sugestão.

Uma doce morte

No dia que te conheci
tive um espasmo
vomitei tanto
que até hoje
meses depois
sinto o estômago latejar
e a garganta arranhar.

Quando te conheci
Me vi um rato
Me senti sujo
um animal despresível
o pior deles
inescrupuloso
Até hoje não me livrei do fedor
nem me despi do caráter.

Quando te vi
virei um limão
fiquei ácido
e amargo
como um doce de morte
que comi cada pedaço
até me ver
um homem.

Viciado

Me encontrei entre
cachaças
Várias doses espalhadas
pela casa
no carro
no trabalho
até na praia

Sonhava com copos
cheios
cheiro forte
Lá os copos
ficavam em mim
Aqui, eles ainda estão
mas o líquido evaporou
das bordas
que transbordavam
Agora,
O copo pode ser tocado
sem derramar
A mesa pode balançar

(Eu poderia virar o copo
e seguir
em frente
mas o conteúdo permaneceria
em mim

s e m e v a p o r a r).

O antes O agora O eu

Você voltou
e agora o tempo anda
sereno
sem pressa

Me apanhou nos braços
me deu beijos com os olhos
e carinho em palavras

Você voltou
Você voltou

Me sentiu na solidão acompanhada
Sensível
pressentiu meu choro silencioso
e bebeu minhas lágrimas desnecessárias

Me levou a um lugar alto
onde o vento frio soprava no rosto
enquanto o horizonte
varria o antes
e refazia o agora.

Você voltou
Você voltou

Os dias distante
pareciam um sem fim de nádegas
e seios

Os dias sem você
foram um mal descartável
porque longe
houve a cegueira em tempos
de cólera

Você voltou
e os dias em você
lavam o equívoco

Você voltou
e nos escolhemos:
seja o que puder
você voltou
e trouxe
a despretensão.

Hoje

Ontem estava assim
Hoje está agora
E amanhã estará hoje
Como nunca deveria ter deixado.

02 junho 2010

Uma morte pedagógica

Desci ao inferno da terra
e conversei com a morte.
Até que ela não é tão assustadora assim...
Inclusive me ensinou algumas coisas
Como andar em pregos
Deixar cada um atingir os ossos
E depois retirá-los
Sem pressa
Vendo o sangue escorrer.

01 junho 2010

Hoje não é mais ontem



No centro
e sozinho
Vou ao encontro
do porvir
Em nome de mim
e pelo abrigo
do desconhecido.
Encontrei o abraço:
no excêntrico espaço
da loucura.
Onde vivem os grandes
de onde correm os fracos.

Não

Hoje foi o primeiro dia
Sem ver o pôr do sol.
Vim direto pra casa depois do trabalho.

Uma crônica anunciada.

A outra roupa

Pedro vestiu as roupas
tomou seu café
e saiu pela porta.
Sentiu uma coisa estranha
mas não sabia o que era.
Trabalhou e voltou.
Em casa, trocou as roupas,
e viu que estava no quarto errado
com as roupas de outro nome:
Paulo.
Alguns meses,
esteve no quarto de Paulo
com as suas roupas.
Preferiu, neste dia,
andar nu.