21 setembro 2008

Deixe de escrever e verá o que te espera no fim...

Ontem o dia virou tarde
E tarde, virou o dia.
À tarde, não via mais o sol
e era tarde pra ver o mar.
O mar cuspiu sangue
e o sangue virou a tarde.
A luz tocou a noite
e a tarde se foi em sombra.
Na ausência vem a madrugada
templo do silêncio
e da imagem desfigurada.
Cansada, adormece
e no sonho percebe
quando o dia esquece (...)

Agora

Escrevi estes versos
pra dizer que
agora
eu te amo.
Não, não se assuste não,
porque ontem e nos outros dias
não deixei de te amar.
Meu tempo não é mais meu,
é nosso.
Quando me pertencia,
ele passava,
existiam ontens, hojes e amanhãs.
Quando o tempo é nosso,
ele é sempre presente.
Por isso eu digo
que eu te amo agora.

Sobre Machado - palhinhas leves

A invenção do blogger certamente fez Machado gritar como uma criança ao receber um simples presente dos pais. De plena interatividade, fácil acesso, e sem a dependência das editoras, o blogger se transformou na forma-modelo de contato entre os homens através da escrita. Jornais e livros? Que nada, meus caros alunos e amigos professores. Por isso, o comentário do Fabrício, inicialmente apenas um elogio, passou a ser uma contribuição, justamente o sonho machadiano da troca, do intercâmbio, em que texto e leitor se constroem mutuamente.

Assim, pessoal, nesse ano comemorativo, não da morte, mas da plena vida de Machado, independente das provas do vestibular, as discussões sobre o maior autor de língua portuguesa da história precisam ser levadas rio abaixo.

Muitos acreditam na existência de uma verdade, a suprema e perfeita verdade. Machado, por sua vez desarma o absolutismo, e estabelece a relativização dela, a partir do romance Dom Casmurro. Supercifiais são todas as análises que buscam a verdade sobre a traição, porque é justamente na ausência dela (verdade), que se situa o discurso Machadiano, discurso este, confirmado pela máxima Kantiana: "a verdade não está em si, está em mim". O Bruxo não pretendia narrar um adultério, como haviam feito Flaubert e Eça, mas sim trabalhar com a destruição das verdades inexpugnáveis que nos assolam até hoje, responsáveis por guerras e mortes. Se Capitu foi manipuladora, nós só criamos este mito, em função da voz do narrador do romance, Dom Casmurro, que resolve escrever quando velho e solitário. Então, o distanciamento temporal, associado ao ciúme neurótico do narrador, rascunham uma figura feminina perversa e destruidora. Não há uma verdade aparente, mas sim uma verdade pensada, e pensada por um indivíduo fundado nas razões da emoção. Sim, gritem, questionem, mas a razão é esta sim, por mais contraditória que nos pareça. Como diria a nossa Bossa Nova, "o coração tem razões que a própria razão desconhece". A relativização da verdade, que estaria nas mãos de cada indivíduo, é marcada pela emoção, o que constitui severa divergência em relação ao automatismo e presunçoso Realismo, escola que inviabiliza, para construção de qualquer narrativa, a subjetividade como meio, uma vez que o escritor seria o "cientista da palavra".

Machado, sempre machado, mais atual, e cada vez mais machadiano.
Voltarei com um post sobre Memórias Póstumas, em que Machado destrona a realidade como experiência vivida, e postula uma realidade ampla, que associa experiência, sonho, imaginação e memória.

Até a próxima e sem essa conversa de que Machado é chato, porque chato mesmo é ser óbvio e superficial. Vai, vai, não desconversa, leia!

16 setembro 2008

Somente uma sogra pra passar por isso

Uma maritaca não pode lutar contra sua própria condição de animal. Quer voar, não pode, está na gaiola. Quer cantar, não pode, a casa não permite. Deixam-na, sob uma condição: em horários regulares, quando todos estão fora, ou quando vem visita. Escrava? Não, nunca, ela é preguiçosa. Em seu canto tem paz, comida e silêncio (todos trabalham muito).

Costume. Ficava deitada, asas encolhidas, quieta, aproveitando a ausência completa de ruídos. Um prazer inconsciente, espontâneo. Um bicho, mas um bicho e tanto.

Todos acordavam cedo. Como sempre a maritaca estava deitada, ninguém se preocupava, era comum vê-la dormindo. Entretanto, acharam-na excessivamente cabisbaixa. Com os dedos, a mãe acariciou a bichinha... e nada. Preocupada, chamou a irmã, dona e metida a cuidar de animais.

Ainda do quintal, gritou pedindo para esperar, pegaria, antes, os seus utensílios para tratar a sua prendada ave. Depois de alguns minutos, entra Aparecida, armada com comprimidos, termômetro, estetoscópio, gases, esparadrapo, e muito bom humor e pose.
Filme de terror desqualificado que se torna comédia trash de sábado à noite.

A gaiola estava num canto da área. Cida chegou com cuidado, chamando a bichinha (como todos a adoravam, nem nome tinha). Sem resposta. Objetiva, e nunca passional, levantou a asa dela e mediu a temperatura com o termômetro. Passados os minutos necessários, olhou a medida, franziu a testa, coçou a cabeça e concluiu: temperatura alta. Preciso baixá-la. Buscou na caixa-tem-tudo uma solução: pronto, perfeito. Um comprimido branco. Retirou a maritaca da gaiola, sem muito cuidado, apressada, abriu-lhe a boca e tentou depositar o remédio. Relutando, a ave travava a garganta para evitar ser sufocada. Sem êxito na empreitada, Cida apertou-lhe o pescoço e empurrou à força o comprimido quase até o estômago da bichinha. Ufa, foi difícil, mas salvei minha predileta.

No dia seguinte, logo cedo, a Mãe, por curiosidade, foi checar a maritaca. A bichinha estava dura feito pedra, um espantalho de ave.

Dá-lhe paracetamol, eita genérico bom!

09 setembro 2008

Escolha a mentira verdadeira

As listras do travesseiro
eram sua companhia
Azuis, brancas
Ofuscantes às vezes
Ouvi-las dizer...
Mas, agora, tempos depois,
tarefa complexa essa tal
de lembrança
Disseram de novo
Baixinho
Palavras vazias
Inexpressivas
inauditas
"Feche os olhos! Esqueça!
A memória é a personificação
da loucura!"
Lembrar é uma farsa
(Que abuso)
Criamos quando necessário
Mentir é rotina
Rimos da verdade
Juntos, em uníssono
"Você não existe"
Sangue quente
Imaginação fértil
Dormirei
Vou-me embora
pra escolha.

Um as Im a ge ns

Dormir é paz
Este sorriso
(gargalhada)
Uns tiros
O ventilador
A luz
A respiração
A vacina
E o gato?
Cocei a cabeça
Polícia
Todos dormindo
Alguém, lá, entra
Amanhã,
ao acordar
Tudo será
uma só procissão
de imagens sensitivas
despedaçadas
in
ca
paz
e
s
.

3ª parte - Falei, falar, não.

Virei as costas
Ela sumiu
Indiferente poderia
Quando, que tempo
insistente
Negra, pele ou olhos
Ruiva corpos odores
Tudo todas aquilo
aquela aqueles
Imagem forma desenho
pefil fôrma
Dentro, a estaca
Além, o instante
era
foi
seria
deixou
se...
não.

2ª parte - Falei, não falei

Falei
ela é negra
Dois dias e mais nada
Chorei, adolescente
Rodas de samba
Cerveja
churrasco
Óculos, livros, político, Tom
João
Ando sem espaço
Livre dos outros
Preso a mim
O espelho da consciência
me carrega
A pinga, só ela
meus olhos mê vêem
Meu pai não me atende...

1ª parte - Falar, não falar

Falar
não falar
falar
não, falar

Não falei
Os olhos são negros
Nunca mais a vi
Depois ganhei roupas
Estou no carro
Cético
Objetivo
Aspirina e Café
Uísque à noite
Sono de sonhos
(elas se contorcem
E eu, sorrio)
- É, preciso agora
de um remédio
mais forte
Onde estão meus pais?
Um tempo ausente
o relógio andou, está aqui do lado
voltou

06 setembro 2008

A dança do acasalamento EM SI.

O sexo é uma coisa estranha
A gente acha que são dois
Mais parece que é um por si
e outro só,

outro só
e um por si
(vice-versa
e versa-si)

Vem o malandro e reclama:

"É se é mais de dois?"

Até parece que´le pensàlem
de si...

Se são dois, três ou trezentos,
faz diferença nada,
na hora de ver, beijar e gozar (sofrer)
Dois é que se encontram
e de novo vão eles:

é um por si
e outro só
(versa-e-si
e outro lá)

O tema é desilusão
porque moral vocês conjugam
e lá, quando as paredes é que olham,
Não tem sexo, não tem nada

é um por si mesmo
e só

(sem respirar e ver)

Um morto, outro vivo,
um morto, outro vivo...