24 outubro 2010

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
(Paulo Leminski)

Quando o amor acaba em rima
a raiva passou
e a poesia vai em vontades de saudade
sem a dor da nostalgia
Quando o amor acaba em raiva
ele ficou em travesti,
que se corrói em heroína de ar
bebe sangue de esgoto
canta sons de vidro
e mastiga cascalhos
em espinhos em areia em você.

Quando tudo se vai em rima
voltamos ao nosso interior
e somos, enfim.

Poema em Dupla - 4

A cova é o lugar-nenhum

o céu é um
(Arnaldo Antunes)

A pressa escava e encontra os lugares-comuns
os sem-lugares
os lugares-nenhuns!

Poema em Dupla - 3

A rosa se rosa
A rosa rosa
Arroz
(Arnaldo Antunes)

A gata se gata
a gata gata
Cigana

Poema em Dupla - 2

um cachorro louco
não se pode se soltar
se um dono louco
segurar.
(Arnaldo Antunes)

Um cachorro não é louco
se o pastor lhe abençoar
mas somente se o dono
louco molhar as mãos
do sábio religioso
que recolhe aquilo que
todos querem lhe dar...

Poema em Dupla - 1

Quem com ouro fere?
(Arnaldo Antunes)

Ganha um prêmio de adoração
Assume a total despretensão
Vence o estúpido do meu vizinho
Perecebe Vence Assume Ganha
e...

Esteja além da janela

Saiamos de casa
Vejamos o Rio

Mundo-cidade
ao lado de casa

De casa, vejo o Rio
Virtual
Imagem

O que não é imagem?

Seu beijo
Imagem
Seu corpo
Imagem
Ainda juntos
imagem
Eu te vejo
imagem

A imagem-imagem
A imagem-experiência
Imagens-memória

Tudo se vai em imagens!

Contudo,

SAIA DE CASA!

Seja alteridade

O espaço-prisão
das palavras-palavras

O finito espaço semântico
da poesia

Palavras
(formas?)

PA-LA-VRAS
(veja o dicionário!)

Com um pincel

As paredes têm palavras
Tijolo
Cimento
Pedras

As paredes-palavras
são prisões de significados
Subi uma parede-poema
e as pedras-palavras
liberaram suas algemas

Estou atado
a poucas palavras
palavras sólidas
palavras-palavras

As palavras
sempre palavras

Comprei um pincel!

Quando as palavras não precisam dizer

Palavras muitas
Pouco dizer
Olhe!

SILÊNCIO
de hoje.

SUSPIRO
de amanhã.

O BERRO
de ontem.

A VIDA
de hoje.

A PALAVRA
de amanhã.

O SILÊNCIO
de hoje.

A EX-PERIÊNCIA
de domingo.

07 outubro 2010

No tempo lido

Ler estabelece um limite:
antes são apenas olhos
depois tudo se faz
em olhar

O tempo da leitura
é o momento da transgressão.

O tempo da leitura
devora
os sinos
os relógios do pulso
a pontuação.

O tempo da leitura
faz o homem
negro
onde tudo se quer
branco.
Ficar sozinho
Faz descobrir
outro homem
no mesmo corpo

Diálogos com ela e o aquele

Não sabia que a poesia falava
Ela me disse, certa vez,
que o tempo é primo
da morte
irmão do vento
pai da escolha...

A poesia teme o dia seguinte
porque vive no sonho
que pode acabar...

Ela ainda me diz
que precisa esperar
porque quer evitar
a palavra equívoco
aquela que desfaz

A palavra poesia
representa o Beijo
porque precisa
para mudar
(viver)
do leitor
e do poeta

Se eu não leio
nunca creio
que seria capaz
de tornar-me ideia
e viver em paz.

Entre o seio e a palavra

Caminhei a passos largos
e mãos atreladas a ela,
poesia.

Seu mistério
alimenta a descoberta
feminina

Mulher e poesia
Mesma origem
Caráter dissimulado
Erotismo
O corpo que marca
a forma
Mas não mostra
a pele

Para chegar-lhes
aos pés
é preciso um olhar
lírico e encantado
pela aurora

Nascer no hábito vulgar
é o silêncio
da mulher-poema.

02 outubro 2010

Eu disse
Você também
Agora temos
casa, comida, roupa lavada
Menos os móveis
Não importa, você sussurrou
O colchão é inflável.
Você veio e me deixou aflito
Agora volta e me deixa em desespero
E amanhã veio novamente
Sobretudo em nome da dor
Sorria, você pediu!
Eu te amo, sabia!?
Como é boa a interrogação.
Você me disse
certa vez
que viria
Mas ficou em casa
comendo pipoca
e chocolate.
Gostaria de ter você aqui
- Quero tudo de volta
- Não, não é possível...
E você diz:
- calma.
O pai cai na rua
O gari veio e varreu o velho
Todos gargalharam
Era um entulho.
Olhei as lojas
Ouvi o vendedor
"Simpático"
Cuspi na vitrine
e manchei a liquidação.
Ouvi você dizer "estou indo"?
Ouvi você dizer "eu te amo"?
Escrever é uma impossibilidade
As palavras estão esquecidas
No tempo do sono constante
O tempo vai passando
e a voz aumenta...