15 novembro 2006

T.M - Segundo Ato - Adoração

Quando o amor é revelado pelas clássicas palavras “Eu te amo”, há um descontrole eufórico que atordoa e faz o chão desabar. Somos lançados numa existência diferente, acredito que quase plena, porque instigada pela presença do sentimento do outro, a deseja-lo, e querer de ti a fugaz tentação de um belo e simples sorriso em mais um dia qualquer. Divide-se o corpo pelo centro, tornamo-nos o outro e nós, trancafiados na carapaça sentimental que se instaura no ato de sedução e na consumação da imutabilidade do encontro dos olhares, que, diante do frêmito do coração, inquieto para além das necessidades físicas, afeito aos mais ordinários movimentos, aguardando um breve lampejo de sensibilidade para completar-se como uma entidade apocalíptica que destrói o orgulho, a desunião, a maldade, para existir em comunhão com o amor que cerca ambos os corpos. O sol se torna um ser mais do que vivo, sempre a aquecer e brilhar nalgum canto, mesmo que aos meus olhos venha a lua, sua luz é produto solar, estrela maior que abraça a pequena prata vagando pelo céu acompanhada pelo afago afetivo que de muitas mãos e extensões acolhe a tudo e a todos. É o símbolo do amor pelos homens, pelos cães e pelas árvores, porque de si a vida explode em desesperada correria, em tempo curto crescemos e nos transformamos, até tornarmos ao estado natural: a terra. Ela, devidamente aquecida, faz voltar a vida novos corpos, novos seres, novas consciências, que sozinhas rumam como cadáveres, sendo os dias e noites um ciclo vicioso de letárgica ausência de sentido, a espreita, inconscientes na busca pelos olhos, e que olhos. Se os olhos não vêem, é do interior que a visão sente, porque a beleza, como Borges sempre disse, é sentida com o corpo todo. Se não somos capazes de nos arrebatarmos por qualquer modalidade do belo, teremos que lançar mão do sangue que ressoa em nós em nome do outro, porque todo corpo possui sua beleza inerente. Não existe rascunho de beleza, nossa sensibilidade é que precisa ser apurada e redesenhada para atingir a perfeição guardada em tudo, uma vez que é nas imperfeições que encontram-se os delírios joviais do amor. O atordoamento é o salto para a libertação da evidente beleza que está orgulhosamente a espera de olhos mais requintados para atingi-la em sua totalidade, completude esta que é alcançada pela aquisição do espírito amante que jaz encarnado noutras gerações mas que devidamente talhada ressurge no presente com um furor inacreditável, desloca massas e arde corpos como o diabo no inferno produz nossos mais intestinos pecados, porque é em nós que está Deus e o cramulhão.

Se fossem olhos quaisquer, diriam que ela é apenas uma mulher de olhos verdes, cujos cabelos castanhos claros escorridos nas costas contornam as sinuosidades de um corpo antes de menina, agora mais do que de mulher. Os olhos antes calosos, agora suavizados pelo encanto desta mulher, captam a beleza física óbvia para fundi-la à idéia de uma figura feminina atordoante. Percepção agônica para muitos, possível de provocar angústia e repulsa, mas para estes olhos que narram, ela simboliza uma espécie nunca divina, mas fundamentalmente humana. Se na superfície física os olhos ingênuos logo encontram contornos deliciosos como o chocolate, marca do sentimento de delírio interior, de cujo sabor os olhos se refestelam e lambuzam para além da razão, ao descortinar a superficialidade da prévia e ilusória visão, chego a um passo da humanização plena. Foge ao caráter, não é fruto apenas de uma personalidade que se definiu mais do que solidamente, nem mesmo do olhar e do movimento corpóreo que insinuam sensualidade e erotismo que nunca tangenciam a pornografia vulgar. É nos olhos que se encontra sua verdadeira beleza, porque muito além de serem sua janela da alma, eles encantam e estremecem a existência dos outros. Sem conviver com suas peculiaridades seríamos órfãos do mundo, pois teus olhos mais do que representarem a natureza humana e física na terra, simbolizam o sopro de vida e sensibilidade que pode ser ainda descoberto nos homens. Sem teus olhos, não haveria mais a chuva, os mar seria aprisionado na calmaria eterna, e nós, mortos-vivos, seríamos acometidos pela morte do sol, que melancolicamente caminharia entre todos os homens como um cadáver decrépito, disforme, opaco, sem um leve brilho.

Você, T. M., faz o leão conviver com as zebras, apazigua o ódio entre os homens com um breve olhar que extingue a ganância e a tristeza. Absolutamente em seus olhos reside sua vida e essência, sem beatitude, sem pureza, porque isto é coisa do diabo, uma vez que temos dentro de nós o sentido do corpo que é a carne. Convivemos como que travando uma batalha entre o bem e o mal, mas somos as duas entidades, justamente pela nossa imperfeição. É por isso que teus olhos emanam a vida, em todas as suas caras e bocas, expressões das mais diversas das quais é possível conviver para a eternidade. Aliás, é necessário para todo mortal este contato, como com qualquer obra de Picasso ou Monet, Dostoievski ou Shakespeare. Sua arte é o teu olhar: é nele que está a arte da feminilidade, ou melhor, o que é ser mulher.

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